Mulher com Síndrome de Down tinha Alzheimer sem demência, em caso surpreendente

Um novo estudo de caso documenta uma mulher com Síndrome de Down que viveu até os 78 anos e, após sua morte, foi descoberto que seu cérebro apresentava os marcadores biológicos clássicos da doença de Alzheimer, apesar de ela nunca ter demonstrado sinais clínicos de demência durante sua vida.
A descoberta, publicada na revista Alzheimer's & Dementia, adiciona outra camada de complexidade à nossa compreensão da relação entre a Síndrome de Down e a doença de Alzheimer.
Pessoas com Síndrome de Down têm um risco significativamente maior de desenvolver a doença de Alzheimer. Estima-se que entre 55% e 75% das pessoas com Síndrome de Down desenvolvem demência, com os primeiros sintomas geralmente aparecendo por volta dos 50 anos. Isso se deve, em parte, ao fato de o gene da proteína precursora amiloide (APP) estar localizado no cromossomo 21, que é triplicado em indivíduos com Síndrome de Down.
A proteína APP é um componente chave das placas amiloides, um dos principais marcadores biológicos da doença de Alzheimer. A triplicação do gene APP leva à superprodução da proteína e, consequentemente, a uma maior propensão à formação de placas amiloides no cérebro.

No entanto, o caso desta mulher desafia a compreensão convencional dessa relação. Apesar da presença de placas amiloides e emaranhados neurofibrilares, outros marcadores característicos do Alzheimer, a mulher manteve suas habilidades cognitivas até o fim da vida.
“Este caso excepcional destaca a complexa relação entre a patologia do Alzheimer e a manifestação clínica da demência”, explica a neuropatologista Melissa Murray, da Universidade da Califórnia, San Diego, principal autora do estudo.
“Embora a presença de placas amiloides e emaranhados neurofibrilares seja um indicador forte da doença de Alzheimer, este caso demonstra que esses marcadores não são sinônimo de demência. Outros fatores, ainda desconhecidos, podem estar protegendo algumas pessoas com Síndrome de Down do declínio cognitivo, mesmo na presença da patologia da doença.”

Os pesquisadores especulam que fatores genéticos, epigenéticos ou mesmo ambientais podem desempenhar um papel na resiliência cognitiva observada nesta mulher. Estudos futuros com grupos maiores de indivíduos com Síndrome de Down e Alzheimer são necessários para identificar esses fatores protetores.
A compreensão desses mecanismos de proteção pode abrir caminho para novas estratégias terapêuticas para a doença de Alzheimer, não apenas para pessoas com Síndrome de Down, mas também para a população em geral.
Este caso reforça a importância de estudos longitudinais que acompanham indivíduos com Síndrome de Down ao longo da vida, permitindo uma análise mais detalhada da progressão da doença e a identificação de fatores que influenciam a manifestação clínica da demência.
Além disso, a pesquisa destaca a necessidade de abordagens personalizadas para o diagnóstico e tratamento do Alzheimer, levando em consideração a variabilidade individual e a complexa interação entre fatores genéticos e ambientais.
A descoberta também traz esperança para a comunidade de pessoas com Síndrome de Down e suas famílias, sugerindo que a demência não é um desfecho inevitável, mesmo na presença da patologia do Alzheimer. A identificação dos fatores protetores pode levar ao desenvolvimento de intervenções que promovam a saúde cognitiva e melhorem a qualidade de vida dessas pessoas.
A busca por esses fatores protetores é crucial para avançarmos no combate à doença de Alzheimer e oferecermos melhores perspectivas para todos afetados por essa condição devastadora.
Este caso singular nos lembra que a ciência é um processo contínuo de descobertas e que cada nova peça do quebra-cabeça nos aproxima de um entendimento mais completo e da possibilidade de encontrar soluções eficazes para os desafios da saúde humana.
O estudo foi publicado na revista Alzheimer's & Dementia.